Estudos Brasileiros no Reino Unido

06/29/2025
By Kenneth Maxwell

Nosso colega Kenneth Maxwell proferiu o discurso de abertura da Conferência Anual do Programa de Estudos Brasileiros 2025, realizada em Oxford, em 2 de maio de 2025.

Publicamos a primeira parte de seu discurso, que abordou a questão do papel do Brasil no sistema global em evolução.

Neste artigo, ele tratou do futuro dos estudos brasileiros no Reino Unido e, ao fazê-lo, revisitou sua própria experiência e trajetória no trabalho com questões brasileiras.

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Há 60 anos, neste mês, meu próprio Brasil deixou de ser totalmente fantasmagórico.

Eu tinha assistido ao filme “Orfeu Negro” (1959) quando era estudante de graduação na Universidade de Cambridge e, desde então, estava determinado a conhecer o Rio de Janeiro.

Sei que muitos brasileiros consideram este filme de Albert Camus (1912-1982) com desdém. Eles o veem como uma visão turística, exótica e erótica do Brasil, embora na década de 1960 fossem poucos os turistas que realmente chegavam ao Brasil.

Caetano Veloso me repreendeu por gostar de Orfeu Negro nas páginas do The New York Times depois que eu resenhei o novo Orfeu em 1999 para a Folha de São Paulo. Ele é um fã do diretor, Caca Diegues. E ele escreveu a trilha sonora.

Mas não me arrependo de nada. O filme de Albert Camus e a vista do Moro da Babilônia, uma favela em Leme, com vista para a praia de Copacabana, continuam tão mágicos para mim hoje quanto quando vi o filme pela primeira vez, aos 19 anos, envolto em meu manto preto de formando, em um cinema frio e decadente nos arredores de Cambridge.

Conheci meu primeiro brasileiro real e não fantasmagórico, Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982), e seu filho Chico, então muito bonito, no escritório do professor Stanley Stein, no departamento de história da Universidade de Princeton, no início de 1965. Mais tarde naquele mesmo ano, finalmente cheguei ao Rio de Janeiro.

Eu tinha uma bolsa do programa de treinamento de campo metropolitano da Universidade de Columbia. Era um programa de verão destinado a antropólogos e dirigido pelo professor Charles Wagley, da Universidade de Columbia (1913-1991). Eu tinha acabado de chegar aos Estados Unidos em outubro do ano anterior, em 1964, para fazer meu doutorado com o professor Stein, um eminente especialista em história brasileira em Princeton.

O professor Stein (1920-2019) sugeriu que eu me inscrevesse. Na verdade, eu era um candidato certo, embora não soubesse disso na época, pois, embora o programa fosse interuniversitário, era destinado principalmente aos alunos de antropologia da Columbia do professor Wagley. Eu era o único aluno de história que não era da Columbia a se inscrever.

Mas o Sr. Brazil, esse é o nome verdadeiro dele, acredite se quiser, que era responsável pela agência de viagens da loja da Universidade de Princeton e organizou minha viagem de quatro meses ao Brasil, passando por Miami, Belém, o nordeste e Salvador da Bahia.

Cheguei a Salvador tarde da noite, em um jato Caravelle, e segui por outras passagens em uma Kombi que nos levou para a cidade por uma estrada ao longo da praia, onde havia palmeiras altas e casais se abraçando e contemplando o oceano e o pôr do sol.

Subimos uma rua de paralelepípedos até o Palace Hotel, na Rua Chile. Quando acordei na manhã seguinte, abri as persianas para contemplar a grande baía azul de Todos os Santos que se estendia abaixo de mim e, no horizonte distante, uma pequena vela branca cruzando lentamente a baía em direção ao porto abaixo.

Foi uma introdução mágica ao Brasil.

Então, termino com uma sugestão.

Hoje, em Oxford, a Conferência sobre o Brasil, com o novo programa de estudos brasileiros, é uma iniciativa admirável, mas gostaria de pedir que pensem na continuidade.

O professor Sir Raymond Carr (1919-2015) foi o primeiro professor de Estudos Latino-Americanos em Oxford. Sir Raymond Carr era um brilhante e excêntrico estudioso, um grande bebedor e um ilustre especialista em história espanhola. Mas ele sabia muito mais sobre caça à raposa em West Somerset do que sobre a América Latina.

Eu o conheci em sua primeira viagem à região, no Rio de Janeiro, em um jantar oferecido por meu amigo Christian Adams (1939-1996), que havia se formado recentemente em Oxford e era então um jovem diplomata no Rio de Janeiro. Carr perdeu seu manuscrito, como ele mesmo contou mais tarde naquela semana, a caminho da Bolívia, e voltou às pressas para Oxford. Não pretendo denegrir Carr de forma alguma. Mas é lamentável que Oxford tenha decidido extinguir a cátedra da qual ele foi o primeiro titular. É uma grande pena.

Portanto, o que quero dizer sobre continuidade é importante.

Quando eu era diretor de programas da Fundação Tinker em Nova York, fui responsável pela criação de duas Cátedras Tinker de Estudos Latino-Americanos em importantes universidades americanas: Chicago e Stanford. As Cátedras Tinker trouxeram historiadores, escritores, artistas, cientistas e jornalistas notáveis para os Estados Unidos desde 1968.

Já existiam duas Cátedras Tinker, na Universidade do Texas e na Universidade de Columbia. Mais tarde, foi criada uma na Universidade de Wisconsin. A dotação da Tinker foi de US$ 900.000 para cada uma das duas primeiras cátedras. As dotações posteriores da Tinker foram de um milhão de dólares americanos.

Mais tarde, Martha Muse, presidente da Fundação Tinker, pediu-me para avaliar as cátedras. Descobrimos que, em alguns casos, as doações haviam aumentado de valor para entre oito e dez milhões de dólares, dependendo da estratégia de investimento das várias universidades. Também criei o programa de pesquisa de campo Tinker, uma bolsa competitiva que oferece cinco anos de apoio a universidades americanas e que levou jovens estudantes de pós-graduação americanos, agora milhares, para a América Latina, muito no modelo que eu tinha em 1965.

Ao longo dos anos, muitos líderes latino-americanos, agora centenas, foram professores visitantes da Tinker, incluindo, enquanto eu lecionava na Columbia, o economista Celso Furtado, o geógrafo Milton Santos e o jornalista Elio Gaspari.

É claro que existem muitos brasileiros muito ricos. É verdade que poucos deles têm uma mentalidade filantrópica. Mas alguns têm. E eles poderiam muito bem ser persuadidos a financiar uma cátedra de Estudos Brasileiros em Oxford. Afinal, não há outro lugar tão prestigioso para uma cátedra desse tipo.
E isso deveria levar à nomeação de um professor permanente, e não de um visitante.

Hypolito da Costa, holding a copy of the Correio Brasiliense (public domaine, Itamaraty Safra Catalogue, 1993)

E eu tenho um nome para essa cátedra de Estudos Brasileiros: Hypolito da Costa.

Ele foi o antecessor do embaixador Antonio Patriota e o primeiro embaixador do Brasil no Reino Unido.

Hypolito da Costa (1774-1823) foi um homem verdadeiramente notável, que também foi o fundador do jornalismo brasileiro.

Nascido na Colônia do Sacramento, hoje parte do Uruguai, em 1774, formou-se na Universidade Reformada de Coimbra, em Portugal, em 1798. Foi enviado por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812) aos Estados Unidos por dois anos, onde conheceu muitos dos fundadores da nova república americana na Filadélfia (então capital) e visitou o México. Na Filadélfia, tornou-se maçom.

Ao retornar a Lisboa, foi enviado a Londres para adquirir livros para a biblioteca real, bem como para estabelecer relações com a Grande Loja Maçônica do Oriente. Ao retornar a Lisboa, foi preso por suas atividades maçônicas pelo chefe de polícia, Pina Manique (1733-1805), por três anos. Ele fugiu pela Espanha em 1805 e retornou a Londres sob a proteção do duque de Sussex, príncipe Augusto Frederico, sexto filho do rei George III.

Príncipe Augusto, duque de Sussex, por Henri-Pierre Danioux, c. 1794 (domínio público, Toulouse, Fundação Bamberg).

O príncipe Augusto Frederico, duque de Sussex (1773-1843), era grão-mestre da maçonaria inglesa. Hipólito da Costa tornou-se seu secretário pessoal. Em Londres, editou o “Correio Brasiliense”, que circulou entre 1º de junho de 1808 e 1823 (29 volumes no total). Este jornal defendia visões liberais, cobriu a rebelião de 1820 no Porto e o movimento que levou à independência do Brasil. O duque de Sussex também era conhecido por suas visões liberais, que incluíam a reforma do Parlamento, a abolição do tráfico de escravos e a remoção das restrições civis aos judeus e dissidentes. Ele era o tio favorito da rainha Vitória.

O duque de Sussex, tal como Harry, o atual duque de Sussex, teve um casamento que criou problemas em casa e, como consequência, viveu exilado em Portugal durante vários anos, tendo a sua corte instalada no palácio das necessidades, atualmente sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros português. Mas isso é outra história.

Hipólito da Costa morreu em 1823, no dia 11 de setembro, antes de receber a notícia de sua nomeação como embaixador do recém-declarado e independente Império do Brasil. Ele é patrono da Cátedra 17 da Academia Brasileira de Letras.

Então, termino com esta ideia e esta sugestão. A esperança de que nossa conferência de hoje também possa ter um resultado mais permanente para os estudos brasileiros em Oxford e no Reino Unido.

A foto em destaque é do professor Kenneth Maxwell e do Dr. Felipe Krause, coordenador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford.

Brazilian Studies in the United Kingdom